Para muitos que viveram a infância e a adolescência nos anos 70, 80 e 90 no Brasil, a lembrança dos primeiros tênis nos faz lembrar de um tempo mais simples, onde lona e borracha representavam aventura e liberdade. Até hoje se sente a textura da lona, por vezes um pouco áspera, e da borracha resistente que suportava tanta corrida, tanto jogo e tanta brincadeira. E ao recordar esses calçados, um nome sempre se destaca, como um velho amigo: o tênis Kichute.
Lançado em 1970, ano do tricampeonato mundial de futebol, ele foi mais que um simples sapato: um parceiro inseparável para o futebol de rua, um companheiro fiel para a escola e, para muitas famílias com orçamento limitado, uma forma duradoura e acessível de calçar os filhos. Contudo, o Kichute não reinou sozinho nessa história de calçados que marcaram a infância brasileira. Outros tênis simples também alcançaram grande sucesso e são lembrados com carinho até hoje, como parte da nossa própria trajetória.
Kichute: Dos campinhos à escola
O Kichute, criação engenhosa da Alpargatas, unia a praticidade do tênis à resistência da chuteira. Predominantemente preto, parecia indestrutível e enfrentava desde o asfalto quente dos rachas de bola até as quadras escolares. Seu cadarço longo, quase interminável, invariavelmente ganhava voltas nos pés ou tornozelos antes de ser amarrado, conferindo firmeza e um certo estilo.
A propaganda com o slogan memorável, “Kichute, calce esta força”, traduzia a sensação de poder ao colocá-lo, pronto para a correria nos campinhos ou qualquer desafio. E ter Zico, o Galinho de Quintino, como garoto-propaganda, com seu sorriso e a bola nos pés, despertava o desejo de possuir um igual. Além disso, a durabilidade do Kichute era lendária, com relatos de um mesmo par passando por gerações. O reforço frontal em borracha grossa protege os dedos, e as garras no solado garantem firmeza em diversos tipos de superfície.
Conga: O tênis leve e colorido da escola
Outro nome que traz recordações vívidas e coloridas é o Conga, também da Alpargatas. Se o Kichute era o amigo forte e resistente, o Conga era mais leve e, frequentemente, mais acessível. Suas listras laterais características e o design simples o tornaram presença constante nos pés de crianças e adolescentes nas escolas, festas e brincadeiras de rua.
A variedade de cores – azul, vermelho, verde, amarelo – permitia expressar individualidade mesmo sob o uniforme escolar. O Conga acompanhava a leveza da infância em todas as suas aventuras. Muitos lembram de colecionar Congas de diferentes cores e de personalizar os brancos com desenhos feitos à caneta.
Tênis Polo: Um charme simples
O Tênis Polo, com seu visual clean e o discreto logo da marca, era um pouco mais “arrumadinho” que os outros tênis de lona. Ideal para a escola, também era uma boa opção para passeios tranquilos ou para um toque mais estiloso dentro das poucas opções da época. O Tênis Polo oferecia uma maneira singela de diferenciar o visual, mostrando uma preocupação com o estilo, ainda que básico e despojado. Cuidar do Tênis Polo era um hábito, buscando prolongar sua vida útil e mantê-lo apresentável para ocasiões especiais.
Bamba: O tênis descolado dos anos 80
O Bamba, mais uma criação da Alpargatas que conquistou a juventude, apresentava um visual mais moderno para os anos 80, com sola mais grossa e um apelo “cool”. Concorrendo com marcas emergentes, mantinha a lona resistente e o conforto para o uso diário. O Bamba representava um estilo mais livre, para quem buscava expressar atitude e personalidade através do vestuário. As diferentes cores e combinações do Bamba o tornaram um item quase obrigatório para quem queria estar na moda naquela década, usado em encontros, festas e passeios com os amigos.
Ridley e outros clássicos
Não se pode esquecer do Ridley. Para muitos, ele era como um primo mais “moderninho” do Kichute. Tinha aquele visual robusto, mas talvez com um toque um pouco mais voltado para o uso na cidade, do pessoal do skate. Era resistente, não pesava no bolso e parecia que durava uma eternidade. Alguns modelos vinham com detalhes diferentes, umas listras coloridas na lateral ou um solado um pouco mais elaborado, o que dava um charme a mais para quem queria sair um pouco do básico.
Outros tênis também deixaram sua marca na nossa memória. O Rainha, por exemplo, era diferente. Ele já tinha um preço um pouco mais salgado e um design que se destacava. O solado era mais alto, o cabedal tinha umas costuras e um tecido diferente, e ele passava uma imagem de ser um tênis mais “de passeio”, mas sem abrir mão do conforto.
E quem se lembra do Tênis Vulcabras 221? Esse era outro clássico! Com visual mais esportivo, as listras laterais bem marcadas e o jeito mais “de atleta”, ele era o sonho de muitos garotos que queriam parecer jogadores de futebol. Viam os mais velhos usando para jogar e sonhavam em ter um igual para correr mais rápido e chutar mais forte. O Vulcabras 221 tinha um apelo mais ligado ao esporte, e era um símbolo de quem gostava de bola e de se movimentar.
Marcas de um tempo bom
Esses tênis simples eram muito mais que calçados. Eram símbolos de uma época, companheiros nas brincadeiras e na jornada escolar, e para muitas famílias, a possibilidade de calçar os filhos com durabilidade e economia. A simplicidade da fabricação, a resistência dos materiais e a liberdade que proporcionavam tornaram-se lembranças carinhosas. Recordações dos cadarços desamarrados, das manchas de grama persistentes e do cheiro característico de tênis novo ou do tênis lavado após o jogo evocam uma viagem no tempo.
O tempo passa, a saudade fica
Com a chegada de tênis importados e modelos diversificados, esses clássicos foram perdendo espaço e a produção em larga escala de alguns foi descontinuada. No entanto, a saudade daquele tempo bom permanece, e para quem os usou, eles permanecem como fragmentos da nossa história, marcas gravadas nos caminhos da juventude e nas lembranças dos primeiros passos.
Ocasionalmente, é possível encontrar alguns desses modelos em mercados de usados, em edições especiais de relançamento ou até mesmo em novas interpretações, reacendendo a nostalgia daquele tempo gostoso. Porque esses calçados também são uma parte importante e inesquecível da memória afetiva. Essa memória, assim como a durabilidade daqueles bons e velhos tênis, permanece forte e presente em cada um de nós.